Facebook: Os limites entre elogio e o assédio machista
Recentemente, postei uma foto no Facebook em que eu propositalmente fazia a pose de “estou divando, e daí?”. Eu tenho feito isso há alguns anos. Nos últimos tempos, tenho sido promovida de "loira burra" a algo como "diva da esquerda caviar". De certo modo, minha imagem (ou parte dela) passou a ser mais legitimada socialmente. Graças ao fato de eu ter envelhecido e me tornado professora, bem como graças a uma parte do movimento LGBT (que fez emergir o elogio à divação), hoje sou mais aceita por mulheres que outrora me viam como uma aberração loira nos corredores do curso de Ciências Sociais.
“Divar” integra um jogo profundo de representações corporais e regras sexuais implícitas que são desigualmente distribuídas entre homens e mulheres. No mundo das redes sociais, o limite entre o elogio e o assédio foi muito pouco discutido. Isso é alarmante. Afinal, as formas de reprodução de poder da dominação masculina são invisíveis e, sem perceber, estamos permitindo que os princípios sutis que incentivam o estupro e a violência contra a mulher se reproduzam por diversos mecanismos que levam sempre – por caminhos diferentes e reinventados – à objetificação da mulher.
Em um ato recente de divação, ao postar a minha foto posando no armário das Casas Bahia, recebi muitas respostas elogiosas que se comunicavam harmoniosamente com minha brincadeira. Homens e mulheres respondiam no mesmo tom, me chamando de “musaaaa” e “divaaaa”.
Como a minha linha do tempo é infestada de comunas da minha laia, a grande maioria dos comentários sabiam brincar (e, por vezes, elogiar sinceramente) dentro de códigos tácitos que respeitam a minha integridade. E isso é positivo. Desde que a igualdade de gênero seja estabelecida, não precisamos caminhar para um individualismo assexuado anglo-saxão. A sexualidade pode e deve ser celebrada, desde que isso seja um caminho de mão dupla ou multivetorial. O problema é que não é.
O fato de eu – ou qualquer outra mulher – “querer divar” não autoriza cantadas machistas públicas ou via “inbox”. E, nesse ponto, tanto a esquerda quanto a direita agem de forma muito parecida (ainda que a primeira tenda a refletir e aceitar a crítica, ao passo que a segunda já me taxa de “feminazi”). Sim, elogios e mentiras sinceras me interessam. Mas não autorizo mais do que isso. Simples assim: não aceito.
Pessoas muito esclarecidas me disseram: “Você colocou uma foto, então você queria”. Eu não acreditei que ouvia isso de intelectuais que apoiaram a campanha “eu não mereço ser estuprada”.
Minha feminilidade é construída no dia a dia, na dialética pendular entre o moletom e o vestido das divas – e, em ambas as identidades que incorporo, eu espero ser respeitada e jamais ser invadida por cantadas que ocorrem fora dos limites autorizados por mim. Se isso faz de mim feminazi eu não sei. Só sei que isso me faz uma mulher mais digna, com consciência sobre meu próprio corpo, minha sexualidade e minha mente. Brigar com esses pobres homens é uma luta que eu, dentre milhões de feministas deste mundo, abraço todos os dias. É uma luta contra coisas invisíveis, contra os novos mecanismos de poder masculinos. É uma luta na escuridão da ignorância, mas eu recomendo: é profundamente libertador.